quinta-feira, 5 de julho de 2012

O homem que enganou a Morte




O homem que enganou a Morte



(Casa de um casal muito pobre. Mulher segura criança que chora de fome...).


Narrador 1 Hoje vou contar para vocês, uma história muito antiga. Do tempo que os bichos falavam!

Narrador 2 E é justamente por causa da pobreza que a nossa história vai começar.

NARRADOR 1 Como assim Fugência?

NARRADOR 2 Vou explicar Manfredo. Nesse tempo tinha muito ouro, mas também muita pobreza. E o nosso personagem principal é muito pobre, pobrezinho e tá acabando de nascer...

NARRADOR 1 Tenha cuidado não que essa eu quero ver!



(Aparece o casal muito choroso em sua humilde casa)



Marido Ai mulher como é que vamos criar mais esse filho, com esse são 18!

Mulher Isso é problema seu marido... Dê um jeito, e olhe que já tá chegando o dia de batizar o menino e tu tem que arrumar um padrinho bem rico!

MARIDO E quem vai querer? Já ofereci prá tanta gente. O doutor, o delegado, seu Zé da padaria... Ninguém quis.

MULHER Pois, vá pra rua procurar um padrinho já!...E leve o menino.



(Marido sai e entram os narradores)


NARRADOR 1 Esse aí tá encrencado.

NARRADOR 2 Será que ele consegue alguém?

NARRADOR 1 O bicho é doido, tá indo pro lado do cemitério!

NARRADOR 2 Valei-me Nossa senhora.


(Narradores saem e o marido fica só no palco)




MARIDO Ai meu Deus! O que fui aprontar... Como é que arrumei mais um filho... O que eu faço?


(Morte vai passando distraída)


MARIDO Hei, hei, Quem é a senhora, é algum EMO?

Morte Quem, eu? Tá me reconhecendo não? olhe bem?

MARIDO Uma Drag Queen?

MORTE Eu sou aquela que chega para todos (faz um grande suspense) Eu sou a morte!

MARIDO (Não se assusta nem um pouco) Serve! A senhora não quer ser a madrinha do meu filho que acabou de nascer?

MORTE O quê? Isso é muita falta de respeito... Eu não batizo, eu mato!

MARIDO Oh Dona Morte... É que já convidei um monte de gente e ninguém aceita... Digo ninguém pode!Será que...

MORTE Eu não, Deus me livre, além do mais, as coisas estão pela hora da morte... Entendeu a piada?

MARIDO Se não tem tu, vai tu mesmo... Aceita por favor!!!

MORTE Homem, tu tá tão chato que para eu me ver livre eu vou aceitar.

MARIDO Muito obrigado comadre... Ah é o presente?

MORTE Presente?... Isso eu não sabia...

MARIDO Mas, essa é a parte mais importante. Vamos lá, não seja pão dura...

MORTE Tá bem, tá bem... Quando o menino fizer 18 anos, traga ele aqui na minha casa.

[Passagem de tempo]

MARIDO Vamos mulher, faz as coisas logo que hoje é o aniversário de 18 anos do menino e temos que pegar o presente dele.

MULHER Já vai homem, ele tá quase pronto, se ajeita menino.
 
MARIDO Ai mulher, o que será esse presente, será dinheiro? Uma casa? Será que ele vai deixar o bichinho mais bonitinho, já que é tão feio.

Severino PAI! Não precisa acabar comigo!

MARIDO Desculpa meu filho.


MULHER Vocês parem com isso que já estamos atrasados.


(Marido, mulher, filho encontram a morte na casa dela).


MULHER Marido do meu coração... Que lugar é esse?

MARIDO Cala a boca doida, essa é a casa da minha comadre.

SEVERINO Eu que não deveria ter vindo... Que raio de madrinha é essa que vocês nunca me falaram. E que raio de presente é esse.

MARIDO Severino meu filho, a sua madrinha é a Morte, ela foi a única que quis!!!


(Cena congela entram os narradores)


NARRADOR 1 Caro público, esse é o Severino o herói da nossa história.

NARRADOR 2 Pense um rapaz inteligente, malandro que só vendo, capaz até de enganar a morte!

NARRADOR 1 Cala a boca Fulgência, isso é o segredo da nossa peça... O mulher fofoqueira.


(Narradores saem de cena)

(A Morte está sentada, lendo jornal...)



MARIDO Comadre do meu coração, tá lembrada de mim?

MORTE Eu não, quem é você? Se for esmola, vá me perdoando que tá tudo pela hora da morte! Entendeu a piada?  (Morte da risada da sua piada besta)

MARIDO Não sou eu, o seu compadre. Não me conheceu?

MORTE Não... tu tá acabado demais! Acho que já tá na hora de te levar.

MARIDO Deus me livre comadre!Essa é minha mulher e esse é o Severino, o seu afilhado veio receber o presente de aniversário, lembra?

MORTE (Bate com a mão na testa) Tinha me esquecido... O que é que eu posso dar de presente para esse afilhado... Deixa-meeu pensar...

MULHER Que seja uma coisa boa, tá Dona Morte!

MORTE Então você é o meu afilhado... Não é grande coisa, bem trato é trato. Tudo bem meu filho.

SEVERINO “Benção" Madrinha... Eu sou Severino, ao seu dispor... Tá doente Madrinha, tá tão pálida!

MORTE Olha o respeito menino... Onde foi que eu me meti... Que família é essa?

MULHER Vamos logo Dona Morte... Qual é o presente... Diga?


(Todos apreensivos)


MORTE Bem (pensa) Ah... Isso não! SIM, Também não... Já sei!  Severino meu filho, você vai ser médico e será um medico muito famoso. Sempre vai acertar quem vai viver e quem vai morrer.

SEVERINO Beleza Madrinha... Agora eu me ajeito.

MORTE Cala a boca custoso! Presta atenção! Quando eu estiver no pé da cama do seu paciente ele vai morrer, se eu estiver na cabeceira da cama, ele vai viver. Entendeu?

SEVERINO Entendi Madrinha. Agora que eu tiro a barriga da miséria.

MORTE E todo mundo vá tomado o rumo de casa que tá quase na hora da minha novela! O povo chato!

MARIDO Obrigado comadre, Já "tamo indo”.

MULHER O Morte boa sô!

SEVERINO Adeus madrinha querida!

MORTE Eu sei, eu sei. Daqui a pouco vocês virão morar comigo


(Marido e mulher se benzem)


(Entram o narrador e a narradora)



NARRADOR 1 Eita Severino de sorte que presente bom ele ganhou.

NARRADOR 2 E deu muito certo mesmo, ele ficou rico rapidinho.

NARRADOR 1 Acertava todos os diagnósticos, sabia  quem  vivia e quem  morria.

NARRADOR 2 Só que certo dia, o rei ficou muito doente!



(Rei entra passando mal)

Rei Ai meu Deus! Vou morrer de dor, aí minha barriga, aí minha cabeça.

Princesa Calma pai vai dar tudo certo, o senhor vai ficar bom!


(Morte entra em cena está invisível e faz um monte de palhaçada)


REI Aí, aí que vou morrer...

PRINCESA Já sei, vamos chamar o famoso Dr. Severino, ele pode te curar.

REI Pois chame minha filha que sinto que o meu fim está perto.

PRINCESA Dr. Severino, Dr. Severino... Corra, venha salvar o meu pai!


(Severino entra e pisca para a madrinha)


SEVERINO O que aconteceu?

PRINCESA Meu pai, Doutor ele está muito doente. Acuda!

REI Se você me salvar meu filho, eu te dou um saco de ouro!


(Nesse momento a Morte se posiciona aos pés da cama. Severino grita e se desespera).


REI E PRINCESA O que houve Dr. Severino?

SEVERINO Nada, nada não!


(Severino caminha em direção a morte)


SEVERINO Madrinha, não faça isso comigo, por favor!

MORTE ô Severino chato... A hora dele chegou, posso fazer nada não. Se quiser ir junto eu levo!

SEVERINO Madrinha, se ele morrer eu perco o saco de ouro e todos os meus clientes.

MORTE Problema seu!


(Severino pensa um pouco e diz...).






SEVERINO Dona Morte, a senhora está com uma cara tão cansada, Por que não vai à cozinha do palácio e toma um café.

MORTE Você acha afilhado? Deve ser por que eu tenho trabalhado muito meu filho.

SEVERINO Pois vá Madrinha que eu encomendo a alma do rei.

MORTE Olha lá hein, cuidado (saindo).

SEVERINO Princesa venha cá me ajude a virar essa cama.

PRINCESA Pra que Severino?

SEVERINO Não faça pergunta difícil, rápido!


(Eles viram a cama e a Morte entra com o seu café)


MORTE Ah sabotador de uma figa. Se fizer isso de novo eu te mato!


SEVERINO Madrinha me desculpa, mas não podia perder o saco de ouro, nem meus clientes.


(A morte sai com ódio)


NARRADOR 1 Nisso o rei ficou bom, saradinho da silva.

NARRADOR 2 Severino ganhou o saco de ouro e casou com a princesa.

[Passagem de tempo]

PRINCESA Ai meu Deus, acho que vou morrer... Estou muito mal

SEVERINO Calma meu amor, vai dar tudo certo.

PRINCESA Eu não me aguento em pé.


(Morte chega. Severino leva um susto, mas finge que está tudo bem).


SEVERINO Madrinha querida... Quanto tempo. Trabalhado muito?

MORTE Não vem não que ainda não te perdoei por aquela do rei... E sabe do que mais, vou te dar uma lição.


(Nesse momento a Morte vai em direção aos pés da cama, Severino vai atrás e leva a Morte para o outro lado, morte volta... começa a dança)



SEVERINO Não leve minha mulher!

MORTE Vou levar.

SEVERINO Leva não Madrinha...

MORTE Não adianta Severino, a hora dela chegou.


(Nisso Severino tem uma ideia)


SEVERINO Madrinha ouvi dizer que a senhora adora frango com pequi... É verdade?

MORTE (Fica louca) Adoro! Amo! Onde tá, onde tá.

SEVERINO Pois, justamente é o almoço de hoje no palácio, por que a senhora não vai fazer uma boquinha.

MORTE Tá pensando que vai me enganar de novo... sou boba não ( sentindo o cheiro do pequi) Que cheiro bom, esse pequi está de morte... kakakakakakakkakakaakakak

SEVERINO Pois, então... Vá almoçar madrinha... Eu tomo conta.

MORTE E se você me enganar?

SEVERINO (Pisca para platéia) Claro que eu não faço uma coisa dessa Madrinha

MORTE Pequi, aqui vou eu!


(Quando a morte sai, Severino muda a cama mais que depressa).


MORTE (Chega lambendo os dedos e roendo um pequi. Leva o maior susto.) Ah seu desnaturado... de novo!.

SEVERINO Mas, madrinha... É a minha mulher e eu não tinha escolha.

MORTE Me aguarde que vai ter troco.


Entram os narradores



NARRADOR 1 Esse Severino é porreta mesmo... Que rapaz inteligente.

NARRADOR 2 Mas, acho que, dessa vez, a Morte não gostou dessa brincadeira não!

NARRADOR 1 Será que ele escapa dessa?


Morte chega e chama Severino. (Ela está calma e muito carinhosa com ele)


MORTE Severino meu filho, venha cá que eu quero te mostra uma coisa.

SEVERINO Eu não, de jeito nenhum!

MORTE Vamos meu filho, é um presente!

SEVERINO Bem... Sendo assim eu vou.

Entram os narradores


NARRADOR 1 Dona Morte levou o Severino para um lugar estranho... Nesse lugar tinha algumas velas.

NARRADOR 2 Que coisa estranha!

NARRADOR 1 Pra que será isso.


Enquanto eles falam, eles mesmos colocam as velas no palco.


SEVERINO Madrinha, pra que essas velas?

MORTE Meu filho, essas velas representam as vidas das pessoas. As grandes são dos que vão viver muito, As médias dos que vão viver mais ou menos e as pequenas dos que vão viver pouco.

SEVERINO (Curioso) E essa que tá quase apagada, representa o quê?

MORTE (Morte da uma risada) Essa representa a sua vida que ta acabando e eu vim te buscar...

SEVERINO (Tremendo) pelo amor de Deus, Madrinha, não me leva!

MORTE Não adianta, tua hora chegou, vais morrer. (Apaga a vela)

SEVERINO Dá uma chance Madrinha linda!

MORTE Vou me vingar de suas graças, chegou a minha vez!

(De repente, Severino tem uma idéia)

SEVERINO Já que não tem jeito, atenda o meu último pedido. Só me leve quando eu terminar de rezar o Pai Nosso.

MORTE Ô bicho mais pidão... Seu chorão. Bem. Vamos seguir as tradições. Pode começar.

(Morte contando no relógio)



SEVERINO (Severino começa a rezar, porém bem no meio da oração ele finge que esquece).

MORTE Vamos Severino, tem muita gente para eu levar hoje. Termina essa reza!

SEVERINO Só mais um pouquinho... eita!, Esqueci o resto da reza, acho que a senhora não vai poder me levar!

MORTE Não, não... Me enganou de novo ( senta no chão e chora)

SEVERINO Foi o combinado madrinha. Agora a senhora só pode me levar quando eu acabar a reza e eu esqueci completamente de como ela termina.

MORTE Você me paga Severino (Sai bufando de ódio)

(Entram os narradores)

NARRADOR 1 Dessa vez a Dona Morte ficou uma fera!


NARRADOR 2 Dá até dó de como o Severino faz dela de gato e sapato


NARRADOR 1 Só que dessa vez... Acho que ela dá o troco bem dado!

NARRADOR 2 E o tempo foi passando, Severino foi ficando velho, velhinho mesmo... Era um velho Rei muito rico e também muito ranzinza.


(Narradores saem).


(Severino entra lendo jornal reclamando do preço das coisas, dos crimes, das guerras e diz que o mundo está uma porcaria... Quando de repente...).

SEVERINO Aí meu Deus, quanto coisa ruim no mundo... Só queria morrer para não ver uma coisa dessas.

MORTE É pra já... Agora te pego.

SEVERINO Não Madrinha! (cai mortinho da silva)

MORTE É o que sempre digo, as pessoas tentam, tentam, mas, no final, no fundo no fundo... NINGUÉM ENGANA A MORTE! (Da uma risada)






Fim

Conto tradicional  recolhido em várias partes do mundo

Adaptação: Cláudio de Moraes.

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